Apesar do tombo da indústria extrativa no 2º trimestre, indústria de transformação avançou 1,9% e saiu da recessão técnica. Demanda fraca e piora do setor externo dificultam recuperação no segundo semestre.

Por Darlan Alvarenga, G1

29/08/2019

O Produto Interno Bruto (PIB) da indústria subiu depois de dois trimestres consecutivos de queda, e tirou o setor do quadro de recessão técnica. Segundo os dados divulgados nesta quinta-feira (29) pelo IBGE, a indústria teve alta de 0,7% no 2º trimestre, na comparação com os 3 primeiros meses do ano, recuperando parte das perdas de 0,3% no 4º trimestre de 2018 e de 0,7% no 1º trimestre deste ano.

O resultado do 2º trimestre da indústria veio positivo apesar do tombo da indústria extrativa, que teve queda de 3,8%, ainda como reflexo da tragédia de Brumadinho (MG) na produção da Vale.

A construção civil teve alta de 1,9%, enquanto as atividades industriais de eletricidade e gás, água, esgoto e gestão de resíduos recuaram 0,7% na comparação com o 1º trimestre.

Por outro lado, a indústria de transformação ou manufatureira mostrou reação, com alta de 2% no 2º trimestre, saindo assim da recessão técnica, após dois trimestres seguidos de queda.

No acumulado do semestre, não houve muitos resultados positivos para a indústria: as indústrias extrativas (-6,3%) e a construção (-0,1%) tiveram quedas, de 6,3% e 0,1%. A indústria de transformação ficou estagnada, e apenas as atividades de eletricidade e gás, água, esgoto, atividades de gestão de resíduos mostraram alta no período, de 3,6%.

Piora no cenário externo e tombo da produção

Apesar do alívio trazido pelo resultado da indústria, a piora no cenário externo ainda traz incertezas para o segundo semestre, uma vez que as exportações seguem em tendência de queda, pressionadas pela recessão da Argentina, pelo acirramento da guerra comercial entre China e Estados Unidos e temores de uma nova recessão global.

“Ainda preferimos usar a palavra estagnação, mas a recuperação da indústria ficou mais distante, para 2020 vamos dizer assim”, afirma o economista da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flávio Castelo Branco.

Para os resultados do 3º e 4º trimestre, o PIB da indústria tende, segundo os analistas, a ser beneficiado pela bases mais fracas de comparação, o que deve contribuir ao menos para tirar o setor de um quadro recessivo. O mercado estima que a produção industrial fechará 2019 no zero a zero, com uma variação de 0,08% no consolidado do ano, segundo o último boletim Focus do Banco Central.

No acumulado no 1º semestre, a produção industrial caiu 1,6%, na comparação com o mesmo período do ano passado, segundo dados já divulgados anteriormente pelo IBGE. Considerando os dados de junho, o nível de produção retrocedeu para o patamar de 2009, atingindo um volume 17,9% abaixo do ponto mais elevado da série histórica, alcançado em maio de 2011.

Embora o tombo da indústria extrativa seja apontado como o grande responsável pelo desempenho negativo da indústria geral no 1º semestre, os dados de produção mostram que diversos segmentos também registraram declínio no ano como os de equipamentos de transporte, informática e eletrônicos, produtos de madeira, produtos farmoquímicos e farmacêuticos, celulose e papel. 

As vendas de papelão ondulado – indicador usado como um termômetro do nível de atividade por se tratar de matéria-prima de embalagens usadas para armazenar e transportar produtos manufaturados – somaram em junho 276.140 toneladas, o pior resultado desde dezembro, segundo a Associação Brasileira de Papelão Ondulado (ABPO). A entidade, que no fim do ano passado projetava crescimento de 3% para o setor, trabalha agora com uma estimativa de expansão em torno de 1%, ritmo bem abaixo da alta de 5,07% registrada em 2017 e de 1,63% em 2018.

Além do baixo nível de produção, a indústria continua sendo afetada também pela alta ociosidade e pelos estoques elevados. Segundo dados da CNI, os estoques atingiram em julho o maior nível desde a greve dos caminhoneiros.

Para o economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Rafael Cagnin, o declínio da indústria em 2019 ajuda a explicar porque a recuperação da economia “não deslancha”.

“Quando a indústria não vai bem, o restou da economia também não vai. A indústria tem uma capacidade muito grande dese retroalimentar e de alavancar outros setores, mas a coisa não engrena numa trajetória de recuperação sólido de modo a compensar tudo aquilo que se perdeu ao longo da crise”, afirma.

Demanda fraca

Na visão dos analistas, o impacto positivo das medidas de liberação de recursos do FGTS e do PIS e a perspectiva de aprovação da reforma da Previdência e de novas reduções na taxa de juros podem ajudar na melhora da confiança e da economia, mas não garantem uma retomada da indústria.

“Emergencialmente, tem que ter estímulos de demanda. A taxa de juros caiu e deve cair mais, mas é preciso ações mais específicas na área de financiamento”, defende Castelo Branco.

Já para o economista do Iedi, a recomposição da demanda depende também de alguma recuperação do investimento público, sobretudo na área de infraestrutura e construção civil pesada.

“Além de avançar nas parcerias com o setor privado, as obras que estão paradas precisam ser terminadas. Isso é fundamental para economizar dinheiro público lá na frente e gerar aumento de demanda. A construção pesada é um potencializador muito grande de crescimento pois mobiliza muitos ramos da indústria, gera muitos empregos e demanda muitos serviços” afirma Cagnin.

Baixa competitividade e desindustrialização

Em meio à crise que já se arrasta pelo menos desde 2013, é consenso entre os analistas, porém, que o declínio da indústria está não só relacionado à fraca demanda, mas principalmente a fatores como perda de competitividade, baixa produtividade e pouca participação nas cadeias globais de produção e nos setores mais intensivos em tecnologia.

Levantamento da economista Silvia Matos, do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), e publicado pelo G1, mostrou que a participação da indústria de transformação no PIB caiu 5,6 pontos percentuais entre 1995 e 2019, para o patamar de 11% – o menor percentual desde 1947.

Segundo o Iedi, a desindustrialização ocorrida no Brasil no período entre 1970 e 2017 representa o caso mais grave de declínio prematuro de uma lista de 30 países que representam 90% da indústria de transformação mundial, superando a observada em países como Argentina, Filipinas e Rússia.

“Não tem um atalho fácil, mas a recuperação da importância da indústria no PIB depende da recuperação da produtividade e de toda uma agenda de reformas, que inclui a reforma tributária. Ainda temos muitas anomalias como país, no sentido de que se onera muito o investimento e não se incentiva a inovação”, afirma Matos.

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